quarta-feira, 7 de novembro de 2018

sexta-feira, 27 de julho de 2018

isostar e cola branca

debaixo do pó da mesa
os dedos marcados
de uma certeza
que só dói na primeira hora
da manhã

isostar e cola branca
o ranço das bocas por morder
aperta-me os dedos
(nos teus dedos)
como se

a língua amarga
o corpo doente

como se

o hálito matinal
do meu avesso
fosse o teu nome.


quinta-feira, 5 de julho de 2018

mel e sombra

escolho os livros letra a letra
como se nas palavras
coubesse
o peso do corpo
a atravessar
as traseiras de
uma verdade
escolhida
como um livro.

põe a mão sobre os dias
sobram os dias
as duas mãos em volta
dos pêssegos.




quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

14 de dezembro

estendo os meus braços como quem estende a última nota musical
ou os lençóis brancos, lavados no pátio de casa.

estendo os meus braços como se não te tivesse perdido para sempre
como se conservasse a verdade dos teus olhos, como se te ouvisse
mastigar o almoço com os dentes desalinhados

estendo os meus braços e abro as mãos como se tivéssemos ainda
a vida toda. todos os dias para contar os pássaros e as coincidências.

não sei. se foi a tua boca. os teus gestos lentos na minha mente inquieta.
não sei o que fizeste daquela hora pequena em que nos encontramos
pela última vez.

mas estendo os braços, naquele beco em que nos conhecemos
e é como se chovesse sempre.


quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

os teus olhos não sabem o que dizem
os teus olhos são sombras que perpetuo
rente à pele dos dedos.
e alguém entrou nas tuas mãos
(eu senti.) 
alguém beijou ciclicamente
os teus espaços vazios.

ensinaste-me o amor.
como se fosse uma coisa
de morrer por dentro.





terça-feira, 6 de fevereiro de 2018



"You better bring the police, you better call your pastor
You better come with your guard, you better bring your armada
Cause I don't wanna fall far from grace, far from grace"

ou

uma faca que te atravessa

da garganta ao peito

causa-efeito

da falta de jeito.



quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

não sei da minha alma

        em desalento.

ouve.

talvez a dor te encante
quem sabe a noite cante

talvez até te encontre
na luz certa da vida

na última volta do vento.


conta-me os dedos
conta-me as horas

canta-me os dias
como se não os houvesse
e eu pudesse repousar
para sempre
na tua ausência

foto daqui

terça-feira, 23 de janeiro de 2018

não me perguntes
como se guarda
um
sorriso na
palma da mão.

os meus dedos são
livres e eu tenho
a boca
virada para dentro
das tuas canções

não me perguntes
como se chega
ao fim de um dia
que não é meu


como acender
uma luz no centro
do coração?


foto daqui


segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

não saberás habitar a casa
agora que as cortinas são
estas manhãs de osso


agora que me doem todas as sombras
dos teus olhos
e as tuas mãos não têm o tamanho do meu
cansaço.

hoje não.



sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

não sei


se um pássaro pousou na tua boca
ou
se foram as minhas mãos a inventar a chuva.



segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

"Has anyone seen lightning
Has anyone looked lovely
And the daffodils looked lovely today
Looked lovely"


sábado, 13 de janeiro de 2018

tira de mim
        o peso da lava
sê o rio que lavra
         o desejo.

quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

dos teus olhos às minhas coxas
       ou do meu querer às tuas mãos

qual é a noite mais longa?



quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

gostava de ter sido
              o cotovelo
de um fim de tarde
que te embalou.

ou os joelhos esfolados da noite
à volta dos teus orgãos.



foto: mathieu gleizes

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

entende. olha para mim. repara. entende. a falta que sinto de ti é como um poema a verter para dentro do coração. é um vento que incendeia as mãos. e alastra.






segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

ao longe continuarão
a passar os teus dedos

ou outras armas

                     inventadas por mágicos de rua.


os teus olhos terão o peso da luz



e nada me importará.



sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

é um lugar
é o côncavo dos dedos
uma cicatriz na língua

alguém que entra
na tua sombra.


balanço
baloiço


esquece
se puderes
o cheiro a caril
nos dedos

esquece
se puderes
o pecado
e os becos

escuta
astuta

a sorte na última
folha do trevo
          ou a treva
toda na boca.



fotografia de Garry Winogrand

hoje
tu e imortalidade
nós e o verbo despedida
eles substantivos perfeitos
têmpora e osso
hoje
acaso.



quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

"e eu olhei
importa se eu gostar ou não e sou a mesma nada cada minha voz falada tem em ti teu não que importa se eu tenha razão e um coração"


quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

pensei na mão.
macia e lenta a escorregar
para dentro do bolso
à procura de trocos
da fórmula da felicidade.
a máquina do tabaco a
devolver continuamente
a nota de 5 euros amarrotada.
vozes, as notícias sobre o futebol.
fatalidades. quarenta mortos.
nenhum orgão doado para
prato do dia. água, sem gás,
sem graça, quotidiana e fresca.
está na hora de iniciar o
desmame da vida que
te faz arrastar as palavras
sempre que falas de amor.


terça-feira, 2 de janeiro de 2018

quando o alimento vem por correio.


as minhas mãos
não cheiram à tua nuca

nunca.



imagem daqui

podias tentar tu. dar nome aos dias.
os minutos que demoramos a atravessar
a rua. ou dar voz aos pássaros. podias tentar
tu. abraçar a luz que se apaga às 07:30
nos candeeiros da rua. ou eu, ter a mesma
força no coração que tenho nos dedos
quando atiro o cigarro para os teus pés.
ter a força dos teus pés contra o meu
coração. podiamos tentar olhar
para dentro de nós. eu para dentro
de ti. tu para dentro de mim.
putas a chorar ou cães cegos de
fome. ou a agonia de um telefone
que não toca. cicuta para o jantar.







talvez se eu tivesse um deus
e me ajoelhasse na pedra do tempo
talvez o que me desse
a paz nossa de cada dia
eu não gritava o teu nome
eu não escondia os cadernos
com o teu nome,
eu tinha um deus a quem
cuspir na cara, a quem partir
os braços. e nenhum espaço para
a ternura, talvez.

foto: Andre Kertesz 

segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

há dias em que não me cabes
numa mão. há dias em que não
me cabes no corpo todo.

há dias em que preciso de te
escrever. de te chorar.
de te perder outra e outra vez.


New year. Same bitch.


domingo, 31 de dezembro de 2017

Adília Lopes

"Os papelotes

Nunca choraremos bastante
termos querido ser belas
à viva força
eu quis ser bela
e julguei que para ser bela
bastava usar canudos
pedi para me fazerem canudos
com um ferro de frisar e papelotes
puxaram-me muito pelos cabelos
eu gritei
disseram-me para ser bela
é preciso sofrer
depois o cabelo queimou-se
não voltou a crescer
tive de passar a andar com uma peruca
para ser bela é preciso sofrer
mas sofrer não nos faz forçosamente belas
um sofrimento não implica como consequência
uma recompensa
uma dor de dentes pode comover a nossa mãe
que para nos consolar sem saber de quê
nos dá um rebuçado
mas o rebuçado ainda nos faz doer mais os dentes
a consequência de um sofrimento
pode ser outro sofrimento
a causa é posterior ao efeito
o motivo do sofrimento é uma das consequências
do sofrimento
os papelotes são uma consequência da peruca"

Ano Novo


sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

pensei que podiamos
fazer nascer
um novo sol.


cresci
nenhuma resposta me serve
se não pergunto por quê
(não estás aqui)

eu não quero uma dor que me leve

leve

cresci
dentro de uma coisa morta
eu transporto a saudade
(de ti)


eu que tanto desejei
correr o mundo

  fui descobrir
        que o mundo
se situa no lugar
         onde os teus lábios
pousam.

e vi o mundo
    correr de mim.


quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

isto podia ser eu a amar-te.
mas depois um dia chuvoso
ou o gás do isqueiro a acabar
as pontas dos dedos dormentes.
a ausência de vontade
bugigangas na mesinha de cabeceira.
podia ser amor
mas era um peixe sem cabeça
pendurado na parede do snack bar
pedes um prego e um fino
e não há qualquer magia
na metafísica da normalidade.
afinal tu nem sabes chorar
e lambes os dedos
quase saciado.
um desconhecido acende-te o cigarro
podia ser a onda mais forte da maré cheia
mas o barulho da cidade
o atropelo constante das emoções
esmagadas contra as vitrines do tempo.
podia ser um amor para a vida toda
mas a vida toda escorregou pela valeta
com a pica do teu cigarro
por entre as lágrimas que não conheces.
isto podia ser eu a dizer-te amo-te
mas eu tenho tanta tanta pressa
de ver o nada acontecer.

segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

a tua boca perfeita
na insinuação da
chuva.

e a tua pele
toda a tua pele
a gritar que fugisse.

ah meu amor!
que claros são os dias
sem esperança.

imaginar que inventámos
palavras que não se podem
dizer e que o silêncio
é a forma de habitares
eternamente
a minha cegueira.




daqui a alguns meses
terás esquecido que existo

os dias mais longos, só um raio
de luz a atravessar-te das coxas até
ao sorriso numa manhã inclinada.

um relógio sem pilha, já esqueceste
o meu nome

daqui a alguns meses.
as minhas mãos na tua montra
de afectos, sem lugar certo.

uma morte sem nome
e o meu coração deserto.



domingo, 24 de dezembro de 2017

deixa lá.
a vida que é uma batalha sem fim.
talvez eu consiga esquecer-me de ti
quando já nem sequer  me lembrar de mim.


domingo, 17 de dezembro de 2017

Fim

entre o que me deste
e o que me tiraste
talvez eu não possa
nunca mais
equilibrar-me em mim.
um tempo que nos fosse mais fácil.
ou o vento a levar-nos os cabelos para sul

em confluência com as marés.

um adeus que não sabes dizer
porque é domingo.



quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

Mostra-me de que é feito o silêncio.
a chuva, o limbo dos teus lábios.
como caber entre dois dedos.


sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Um gin. O mais barato.

cantas-me as canoas do tejo
enquanto fingimos fumar charros
de mãos fechadas.
encosto-me à porta do prédio
sabes que só consigo ouvir
com os olhos postos no nada.
imagino que os meus olhos brilhem
na mesma medida em que brilham
os faróis dos carros que descem a rua.
respondo-te com josé mario branco
e tu percebes. que a minha dor é muito maior que eu.
sorrimos, sorririamos na presença de qualquer animal morto.
canto contigo um fado inventado antes de mim.

entramos num bar, o empregado olha-me enquanto brinca com os copos.
pergunta-me o que vou querer.
para a vida? um gin. o mais barato.

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

saberás ainda cantar as velhas canções.
os ouvidos encostados às mãos
e a nudez cada vez mais pura
o olhar inócuo sobre as estátuas.

vídeo-musas arquitetadas em mesas de café.
chávenas quentes e nada para dizer.



quinta-feira, 2 de novembro de 2017

diz-me que nada de perdeu afinal,
que os pássaros pousam nas romãs
e as romãs se rompem na boca dos assassinos.

que a noite rompe língua a língua
a traqueia dos amantes.



diz-me que não cheguei a tempo. podes dizer, entre a chuva que é fraca, podes dizer. não chegaste a tempo. ou o tempo existe demais para ti. ou és de menos para o tempo. podes dizer, dói-me os joelhos. as mãos. as articulações do coração. o corpo inteiro na boca. podes dizer.



fotografia: daqui